Prof. Dr. Fernando Mattiolli Vieira
Os marcos historiográficos internacionais
O progresso das pesquisas em nível mundial esteve sujeito a determinadas conjunturas que retardaram ou aceleraram as publicações dos manuscritos e, consequentemente, a produção bibliográfica ao longo desses 70 anos. Entre a data da descoberta e a década de 1950, as publicações dos manuscritos foram resultantes de projetos bastante particulares, sob os auspícios e com pouca interferência de instituições públicas e privadas. Tal liberdade concedida aos pesquisadores foi determinante para que os textos centrais da coleção de Qumran, um dos sítios arqueológicos do mar Morto, encontrados na caverna 1, tivessem sido publicados todos já na década de 1950. Deve-se destacar aí o nome do arqueólogo da Universidade Hebraica de Jerusalém, Eliezer Lipa Sukenik, que fez o que pode ser considerado como o primeiro estudo com os manuscritos, já no ano de 1948. {2}
Os outros textos da caverna 1 de Qumran passariam pelas mãos de pesquisadores da American School of Oriental Research (ASOR), em Jerusalém, tais como Millar Burrows, Willian Brownlee e John Trever, que juntos seriam responsáveis pela publicação dos textos já no início da década de 1950.{3} O filho de Sukenik, o também arqueólogo Yigael Yadin, que conseguiu em seguida reunir todos os manuscritos mais importantes da caverna 1 de Qumran, foi responsável por realizar outras publicações em meados da década de 1950.{4} Após essas publicações iniciais, surgiriam vários nomes responsáveis por pesquisas primevas, que viriam a estabelecer seus nomes entre os pioneiros na produção bibliográfica sobre os manuscritos.{5}
Yadin comprou os manuscritos que haviam passado pela ASOR e se encontravam nos Estados Unidos, sendo colocados à venda por meio de um anúncio do The Wall Street Journal, em 1954.
Se inicialmente o nível das publicações pareceu ser compatível com o da euforia provocada pela descoberta, as dificuldades que se delineariam em seguida promoveram a diminuição do ritmo das publicações. Após os pesquisadores perceberem que a região do mar Morto possuía maior importância histórica do que a conferida até então, empreendeu-se uma busca sistemática por locais que pudessem conter mais documentos. Essa empreitada ocorreu com pesquisadores comandados pelo arqueólogo francês Roland G. De Vaux, a serviço do Departamento de Antiguidades da Jordânia. Contudo, eles tiveram que enfrentar a dura concorrência dos beduínos que conheciam muito melhor a região. Até a descoberta da caverna 11 do vale de Qumran, em 1956, quase metade das cavernas dessa área do mar Morto (as mais importantes; 1Q, 4Q e 11Q) havia sido encontrada pelos beduínos. A última caverna contendo material textual descoberta por beduínos ocorreu em 1962, no sítio de Wadi Daliyeh.{6}
Os beduínos tinham grande interesse em lucrar com os manuscritos encontrados, vendendo-os no mercado negro jerosolimitano e alhures. Até o início da década de 1960, em meio às escavações de sítios e a descoberta de novas cavernas, os especialistas ligados ao Departamento de Antiguidades da Jordânia empreenderam uma busca aos manuscritos – grande parte deles em estado fragmentado – que se encontravam com particulares. Esse foi um grande problema que prejudicou o ritmo das publicações. Contudo, surgiriam outros mais. No que se refere ao tratamento de textos antigos, uma “ordem natural” pressupõe como etapa inicial o trabalho de organização, tradução e catalogação dos textos, para que depois seja feita a publicação. No caso dos manuscritos do mar Morto, outras etapas se fizeram necessárias, como a combinação e a concordância dos fragmentos (só na caverna 4 de Qumran foram encontrados cerca de 15 mil fragmentos) e a reconstrução do texto escrito. Dado o problema originado com a participação indigesta dos beduínos e o mercado negro, surge também a necessidade de comprovação da autenticidade dos fragmentos recuperados, adquiridos através da compra.
Os pesquisadores costumam situar no ano de 1967 o primeiro marco na historiografia dos manuscritos do mar Morto. Um acontecimento de natureza político-militar, a Guerra dos Seis dias, altera radicalmente a configuração estrutural da região. A Autoridade de Antiguidades de Israel toma o lugar do Departamento de Antiguidades da Jordânia na gestão política dos textos. O ano de 1967 marca o fim de duas décadas de produção oscilante e o início de uma nova fase repleta de imbróglios de cunho político e organizacional, caracterizada pelo descenso contínuo das publicações dos documentos e, consequentemente, da produção bibliográfica.
A Autoridade de Antiguidades de Israel não interferiu no trabalho de De Vaux e sua equipe, que mantinha sob sua tutela a grande maioria dos manuscritos inéditos. Entretanto, os problemas que se delinearam desde antes da mudança política passaram a se tornar mais bem visíveis e a se aprofundarem. O pequeno número autorizado de pesquisadores autorizados a lidar com os textos, as difíceis condições de acondicionamento do montante, as próprias dificuldades científicas em lidar com um material daquela natureza e os interesses particulares e de instituições envolvidas no projeto, foram os fatores responsáveis pela demora das publicações dos documentos para a comunidade acadêmica mundial. Esse cenário apático teve pouca alteração e se estendeu através das décadas de 1970 e 1980.
Um novo marco na história da produção bibliográfica dos manuscritos ocorreria em 1990 e 1991. Após mais de duas décadas sem intervenções políticas profundas, a Autoridade de Antiguidades de Israel intervém na direção da equipe, amplia enormemente o número de pesquisadores e retira as barreiras que impediam o acesso aos documentos. Entre esses anos, outras instituições de pesquisa que possuíam cópias de textos inéditos passam a disponibilizá-los para a comunidade acadêmica mundial. O resultado dessas ações é rápido: a maior parte do material ocioso e os novos trabalhos se converteram rapidamente em publicações. Para entender melhor esse boom das publicações, podemos usar como termômetro a edição oficial dos manuscritos, conhecida como Discoveries in the Judaean Desert (DJD), publicada pela Oxford University Press. Na década de 1950, só houve um número com documentos publicados (1955 [DJD I]). Na de 1960, o número sobe para quatro (1961 [DJD II], 1962 [DJD III], 1965 [DJD IV] e 1968 [DJD V]), mas desacelera radicalmente nas décadas de 1970 e 1980 com apenas um número publicado em cada uma (1977 [DJD VI] e 1982 [DJD VII]). Na década de 1990, o número sobe para 20, contando naquele momento com todos os textos mais importantes já publicados.{7}
BLINDER, Caio. Pesquisador diz que divulgação de Manuscritos do Mar Morto fere ética. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. de 1991. Mundo, p. 1.
Acompanhando o ritmo das publicações, o número de trabalhos científicos se multiplica exponencialmente. Os assuntos estudados até então puderam ser aprofundados e muitas convicções existentes até então tiveram a possibilidade de ser repensadas.{8} Muitas divagações, repetições e especulações (muitas das quais haviam se cristalizado nos estudos dos manuscritos), foram superadas com o surgimento de novos estudos. O horizonte geográfico da produção bibliográfica também foi alterado. Antes da década de 1990, a maior parte das pesquisas se concentrava em países que possuíam instituições que fomentavam as atividades em Israel e com acadêmicos que tinham algum vínculo com elas ou com pesquisadores autorizados.{9} Com a disponibilização dos textos para toda a comunidade acadêmica mundial, há o aumento de interesse por parte de profissionais que agora só teriam no máximo a língua como maior barreira.
A produção bibliográfica brasileira sobre os manuscritos do mar Morto
Algumas considerações sobre os 70 anos de produção bibliográfia brasileira
Conclusões
Notas de Rodapé
Há exatos 70 anos, ocorreu a maior descoberta arqueológica de textos antigos da história, que recebeu desde cedo o nome genérico manuscritos do mar Morto. Ela decorreu entre os anos 1947 e 1965, com os textos sendo encontrados principalmente em cavernas existentes nas escarpas entre a orla do mar Morto e o deserto da Judeia. Desde cedo, a descoberta despertou o interesse do meio acadêmico mundial e muitos pesquisadores se dispuseram a trabalhar com os achados. Assim que as primeiras publicações dos documentos foram feitas, os pesquisadores perceberam que esse novo corpus literário traria impactos profundos em temas de diversas áreas do conhecimento. Ao longo dos 70 anos de pesquisas, os textos ajudaram a compor um quadro mais bem definido, em diversos aspectos, da Judeia dos séculos IV a.C. a II d.C., período que compreende às diversas coleções que compõe os manuscritos do mar Morto.{1} Serviram também para alterar as concepções históricas sobre o texto bíblico e a formação de seu cânon. Colocados ao lado de outras fontes do período, como os textos bíblicos, textos de comunidades letradas e de autores clássicos, lançaram luz sobre a formação do Judaísmo e do Cristianismo. A trajetória da produção bibliográfica que confirma isso também tem sua história e o Brasil possui participação.
Na trajetória dos 70 anos da produção bibliográfica dos manuscritos do mar Morto, o Brasil dá a sua contribuição de maneira bastante particular. Nesse longo espaço de tempo (para um trabalho da historiografia contemporânea), há uma produção quantitativa e qualitativa que está estreitamente ligada a momentos específicos e que deve ser compreendida com base em suas particularidades (mas que ainda assim é caracterizada pela progressividade). Ao mesmo tempo, a produção no Brasil se mostrou sensível para com as mudanças de rumo ocorridas ao longo da história da produção bibliográfica mundial. Por isso, os acontecimentos mencionados acima acerca da publicação dos documentos determinam uma linha cronológica absoluta que permite compreender a dinâmica da produção em seu tempo, os veículos responsáveis pela informação e o tipo de abordagem utilizada, além do próprio desenvolvimento da pesquisa sobre os manuscritos do mar Morto no Brasil.
Uma busca nos acervos dos principais jornais do país mostra que, desde meados da década de 1950, os manuscritos se faziam conhecidos no Brasil. Os trabalhos acadêmicos começariam a surgir pouco tempo depois, ainda naquela década. O primeiro estudo publicado no Brasil foi o do teólogo Manuel Jimenez F. Bonhomme.{10} Bonhomme publicou parte de seus trabalhos no Brasil enquanto fazia seus estudos de filosofia e teologia (completados na Alemanha, Roma e Jerusalém) e atuava como padre passionista em Curitiba entre da década de 1950 e início da década de 1960. Ele viria a escrever outros textos, todos publicados na Revista de Cultura Bíblica {11} – que se tornou uma espécie de florilégio para os teólogos que escreveram sobre os manuscritos do mar Morto entre a segunda metade da década de 1950 e início da década de 1960.{12} Entre os que publicaram durante esse período nessa revista, aquele que faria as considerações mais aprofundadas seria o teólogo Gaudêncio Gratzfeld. Em artigos falando sobre os grupos político-religiosos judaicos, sobre as supostas relações dos manuscritos com as origens do cristianismo e sobre as principais teses desenvolvidas até o início da década de 1960, Gratzfeld reflete a pluralidade de opiniões existente até aquele momento, vindo a abraçar algumas que futuramente seriam descreditadas. A principal delas foi a de que os manuscritos de Qumran eram oriundos do Templo de Jerusalém e não de uma comunidade que tivesse habitado as instalações de Qumran (essa opinião é defendida ainda hoje por alguns poucos pesquisadores, o mais famoso deles é o americano Norman Golb).{13}
Fora da Revista de Cultura Bíblica, o número de textos publicados foi ínfimo. Há artigos do início da década de 1960 que devem ser destacados. O primeiro deles é o do teólogo José Gonçalves Salvador. Em um artigo publicado na Revista de História da USP, em 1960, com o título Descobertas no Deserto da Judéia (Os manuscritos do Mar Morto), Salvador apresenta uma visão geral da descoberta, dos manuscritos encontrados na caverna 1 de Qumran e das escavações realizadas no sítio central daquela área. Como os autores da Revista de Cultura Bíblica, a bibliografia consultada por Salvador inclui os livros publicados na década de 1950, escritos por aquela geração de pesquisadores responsável pelos primeiros estudos e por estabelecer algumas das prerrogativas que se tornariam estruturais nas pesquisas dos manuscritos de Qumran. Por exemplo, o que chamo de tríade de Qumran (manuscritos de Qumran-essenismo-Qumran), que é o resultado da soma das teorias sobre a identidade religiosa dos redatores/detentores dos manuscritos de Qumran (judeus da corrente religiosa essênia) e da habitação das instalações de Qumran por eles, é defendida também por Salvador em seu artigo. Ele não escreveria mais nada sobre os manuscritos do mar Morto em sua carreira, mas continuaria interessado por temáticas ligadas ao estudo das religiões.{14}
ROPS, Daniel. Foi Cristo um esseniano? O Estado de S. Paulo. 26 de agos. De 1956. Edição Nacional, Geral, p. 104.
MACHADO, Edgar da Mata. Mar (Morto) em Minas. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21 de maio, 1977. n. 43.
Na década de 1980, quando as publicações dos documentos ainda se encontravam em seu período menos expressivo, seria Falbel mais uma vez o responsável por alguma atividade ligada a eles no Brasil. Em 1989, ele concedeu entrevistas que são publicadas em revistas de ampla divulgação.{20} Um ano antes, em 1988, sob sua orientação acadêmica, é defendida a primeira tese de doutorado no Brasil que utilizou os manuscritos como fonte.{21} As orientações de dissertações e teses nunca foram constantes e iriam atingir uma proporção maior só a partir dos anos 2000, contando com a contribuição de Falbel novamente.
Labirintos da Fé. Veja, São Paulo, pp. 67-70, set. 1989.
A partir da década de 1990, a produção e a divulgação brasileiras sobre os manuscritos do mar Morto colherão dos benefícios adquiridos com a abertura ocorrida em nível mundial. É interessante começar destacando as traduções de livros de pesquisadores especializados durante essa década. Até 1990 havia poucos livros traduzidos.{22} As traduções aumentam vertiginosamente já na primeira metade dessa década. Os livros que haviam sido publicados em outros idiomas por pesquisadores que estavam ligados à equipe oficial responsável pelas publicações dos documentos ou por pesquisadores independentes passam a ser traduzidos. Em 1992, o pesquisador americano Hershel Shanks publica seu Understanding the Dead Sea Scrolls, traduzido no Brasil no ano seguinte por Laura Rumchinsky, com o título Para compreender os manuscritos do mar Morto (em minha opinião, o melhor livro para iniciantes já traduzido no Brasil). A teóloga Ivoni Richter Reimer (PUC-GO) traduz o livro Qumran und Jesus: Wahrheit unter Verschluss? (Qumran e Jesus: Uma verdade escondida?), do teólogo alemão Klaus Berger, em 1994, um ano após seu lançamento na Alemanha. Já o ano 1995 reservaria a primeira tradução “completa” dos manuscritos de Qumran no Brasil, com o teólogo Valmor Silva (PUC-GO), intitulada Textos de Qumran (Textos de Qumrán), do erudito bíblico espanhol Florentino García Martínez.{23} Essa edição possuía, além dos grandes manuscritos, os mais importantes textos liberados após a abertura de 1990-1991.{24} A primeira coletânea dos manuscritos de Qumran publicada no Brasil era de 1987, chamada Manuscritos do Mar Morto (da versão em inglês The Dead Sea Scrolls in English) do erudito bíblico britânico Geza Vermes.{25}
O outro artigo que deve ser destacado é o do teólogo e historiador Carl Valeer Frans Laga, publicado em 1963, na revista Estudos Históricos, da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília. Sob o título Qumran, problema histórico, Laga demonstra estar a par das principais discussões travadas no meio internacional, principalmente ao tratar das contradições nas datações arqueológicas, sobre as figuras históricas pseudônimas citadas nos manuscritos de Qumran e principalmente sobre as possíveis relações dos manuscritos com o cristianismo. O fato de ele ter tido acesso a publicações internacionais muito recentes esteve ligado com a qualidade de seu trabalho. Sua preocupação com as fontes bibliográficas fez com que ele fosse o primeiro pesquisador brasileiro a fazer uma crítica sobre a produção acadêmica sobre os manuscritos do mar Morto em nosso país.{15} Pela profundida e lucidez com que Laga aborda os temas tratados (abdicando de uma visão religiosa e condenando o sensacionalismo), seu trabalho se torna indispensável para se entender os estudos dos manuscritos na época.
Até aquele momento, as publicações não se caracterizaram como estudos propriamente ditos dos manuscritos. Independentemente disso, as abordagens e as conclusões de alguns dos autores não estiveram em nenhum momento aquém das realizadas por pesquisadores internacionais que não estavam diretamente engajados na equipe responsável pelos documentos. A formação religiosa da maioria deles foi determinante para que chegassem a isso. Essa experiência, somada ao espírito acadêmico, fez com que enfrentassem as barreiras linguísticas e também estivessem mais próximos das publicações em nível internacional. Em contrapartida, à exceção de Laga, há um lado bastante apologético nas discussões, sobretudo quando tratam de assuntos relacionados ao cristianismo, que em alguns momentos parece comprometer o conteúdo.{16} Em minha opinião, essa foi a melhor fase da produção acadêmica brasileira sobre os manuscritos até a década de 2000.{17}
Na década de 1970, quando as publicações dos documentos haviam desacelerado, a produção bibliográfica mundial se encontra em seu período mais ocioso. Durante esse período, houve um trabalho de divulgação que ainda não ocorrera até aquele momento. O pesquisador brasileiro envolvido nisso foi o historiador Nachman Falbel, da Universidade de São Paulo (USP). Parte de sua formação intelectual foi realizada em Israel, durante a década de 1960. Isso facilitou para que ele estivesse a par das discussões em nível internacional, ainda que o estudo dos manuscritos não figurasse entre seus objetos de pesquisa. No ano de 1977, ele organizou oficinas em eventos e ministrou alguns seminários que tratam da Bíblia e dos manuscritos do mar Morto.
Em 1977, foram traduzidos no Brasil dois livros do padre mexicano Manuel Jimenez Bonhomme, que havia estado ao lado de De Vaux nas buscas arqueológicas e tradução dos textos. A tradução desses dois livros se relaciona com a atividade de Falbel naquele ano. O primeiro deles, com o título, Os misteriosos habitantes do Deserto de Judá: sua vida, seus escritos, fala sobre a história da descoberta dos textos, a natureza deles e a identidade dos produtores. No segundo, Cantam essênios no deserto vivo, traz a tradução e comentários acerca da literatura hínica presente na coleção, sobretudo o destacado texto de 1QHodayot (1QH), trabalhado primeiramente em 1954 por Sukenik.{18} Falbel esteve engajado basicamente na promoção de seminários sobre os manuscritos, alavancado principalmente pela tradução dos livros de Bonhomme no Brasil. Contudo, suas atividades realizadas naquele ano não se converteram em publicações, limitando-se apenas ao trabalho de divulgação.{19}
Para compreender os manuscritos do mar Morto.
Por um olhar stritu sensu, as traduções não fazem parte da historiografia brasileira dos manuscritos do mar Morto. Contudo, a acessibilidade trazida com elas fez com que a produção bibliográfica no Brasil tivesse um impulso naquele cenário pouco produtivo até a década de 1990.{26} Se por um lado, o idioma não deve ser considerado um obstáculo para um pesquisador especializado (como não o foi para os escritores das décadas de 1950 e 1960), por outro, o é para uma geração mais nova, iniciante nos estudos. A geração atual de pesquisadores se utilizou desses livros, que despontou como objeto de curiosidade ou/e ferramenta de pesquisa – creio me encaixar nessa situação.
No âmbito acadêmico, as traduções no Brasil colaboraram para o nascimento de uma pequena produção nacional, que teve sua expressão máxima limitada a artigos. Foram elas que ajudaram principalmente teólogos a começarem a escrever artigos como Qumran e Jesus, Jesus e Qumran (Cadernos de Teologia, Campinas, v. 1, p. 25-37, 1995), de Cássio Murilo Dias da Silva (PUC-RS), Qumran e o Novo Testamento (Teocomunicação, Porto Alegre, v. 25, p. 305-316, 1995), de Irineu José Rebuske (PUC-RS), e o artigo de tema similar Os Manuscritos de Qumran e o Novo Testamento: Observações Preliminares e a Questão do Corpus Johanneum (Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, p. 9-49, 1999), de Pedro Paulo Alves dos Santos (PUC-RJ). Valmor, que havia feito a tradução dos Textos de Qumran em 1995, publica algumas resenhas sobre o livro recém lançado. Também foram realizadas entrevistas em revistas e programas midiáticos, assim como a organização de eventos para recepção de especialistas do estrangeiro que trabalharam com os manuscritos.{27}
É possível perceber, tanto em trabalhos de tradução como na elaboração de artigos acadêmicos, a participação significativa dos teólogos. Isso influenciou nas temáticas trabalhadas: a grande maioria dos temas é de natureza teológica (em detrimento de temas políticos, culturais ou econômicos), explorando assuntos que possuíam paralelos com grupos religiosos do período e suas fontes. Com isso, a abordagem principal desses assuntos foi realizada por uma perspectiva comparativa: algum assunto dos manuscritos comparado a outro conhecido na historiografia; em geral, sobre Judaísmo e na grande maioria das vezes sobre o Cristianismo. Os artigos citados acima expressam bem essa tendência, com títulos similares a Qumran e Jesus ou Qumran e o Novo Testamento. No entanto, ainda que esses trabalhos tenham sido feitos como resultado de algum interesse, aqueles pesquisadores não possuíam os manuscritos do mar Morto como objeto principal em suas pesquisas (fato que, por si só, não comprometeu a qualidade do trabalho).
Com o aumento das publicações ocorrido a partir da década de 1990, é possível verificar uma nova faceta sobre as informações relativas aos manuscritos do mar Morto, que é o conteúdo não científico ou pseudocientífico. Um bom exemplo disso é o livro publicado pelos jornalistas Michael Baigent e Richard Leigh The Dead Sea Scrolls Deception (1991), traduzido “oportunamente” no Brasil como As intrigas em torno dos manuscritos do mar Morto (1994). A intenção dos autores é polemizar assuntos que até os dias de hoje não se tornaram consensuais devido à falta de evidências nos textos e falar sobre os problemas envolvendo as publicações nas décadas anteriores. Entre os vários tópicos “polêmicos”, pode ser destacado o de que havia um possível controle das informações por parte da Igreja Católica Apostólica Romana, já que a publicação dos manuscritos “ameaçaria” as bases da fé cristã. O livro foi bastante criticado pelos especialistas internacionais, mas teve um alcance significativo entre o público iniciante e leigo no Brasil.{28}
Trabalhos como o citado acima ajudaram a reforçar o lado exótico e sensacionalista dos manuscritos do mar Morto. Uma coleção de textos descoberta após dois mil anos e que foi contemporânea ao nascimento do cristianismo, de fato, suscita muito interesse nas sociedades ocidentais. No entanto, em muitos casos, a forma com que os assuntos foram abordados desconsiderou qualquer rigor científico. Por exemplo, os ícones do cristianismo, tais como Jesus de Nazaré, João Batista e Paulo, foram comparados ao extremo ao Mestre da Justiça – indivíduo histórico retratado nos textos de Qumran. Os manuscritos foram colocados por alguns como um “pré-Evangelho”, resultante do trabalho de uma comunidade ascética que teria ligações com comunidades cristãs ou suas lideranças. Entretanto, desde as primeiras pesquisas foi provado que qualquer ligação direta entre os manuscritos do mar Morto e o cristianismo primitivo não tinha fundamento algum. Todas essas ideias foram criadas por autores fora do Brasil e alimentaram uma ampla literatura de cunho não científico que teve respaldo fora dos ambientes acadêmicos mais competentes no cenário internacional.{29}
As intrigas em torno dos manuscritos do mar Morto.
Na década de 1990, essas opiniões chegariam ao Brasil e teriam espaço garantido em veículos não científicos. O número de publicações de matérias sobre os manuscritos do mar Morto em jornais e revistas não especializadas teve aumento expressivo. É comum, na produção de material textual, que as matérias de jornais e entrevistas cheguem ao conhecimento do público geral antes que a produção acadêmica especializada (graças a menor preocupação científica com o caráter da informação e a dinâmica da produção), ainda mais quando se trata de uma descoberta arqueológica dessa natureza. Os principias jornais do país, a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, publicaram mais sobre os manuscritos na década de 1990 do que em todas as anteriores somadas.{30} Há chamadas que são bastante importantes para entender os acontecimentos ligados às publicações à divulgação durante aqueles anos (que após a abertura política até a metade da década, completaria o cinquentenário em 1997). Por sua vez, quando se referem ao conteúdo dos textos, é muito comum a abordagem sensacionalista.{31}
Outra questão que se torna mais bem visível nessa década refere-se à profundidade dos artigos acadêmicos escritos. Se por um lado, eles conseguem desprezar o exotismo e o sensacionalismo presente em algumas traduções e matérias jornalísticas, por outro, ainda não promoveram o aprofundamento nos estudos dos manuscritos. Os pesquisadores ampliariam suas temáticas para assuntos que possuíam paralelos com os manuscritos, mas não os tornariam objetos centrais em suas pesquisas. Os “assuntos gerais”, como Salvador havia abordado em 1960, que se referem à descoberta e seus impactos, à tríade de Qumran e às relações dos manuscritos com o cristianismo, se fizeram presentes em seus trabalhos. O aprofundamento nas pesquisas dos manuscritos só viria a ocorrer na década seguinte, quando as dissertações e teses voltariam a figurar, dessa vez com frequência, na academia brasileira.
Diferentemente do que ocorre no início da década de 1990, não há algum acontecimento específico que possa ser usado como marco historiográfico mundial até os dias de hoje.
No Brasil, a partir dos anos 2000, há uma evolução extremamente significativa nas pesquisas sobre os manuscritos do mar Morto que inaugura uma nova postura da produção bibliográfica. O cenário, que começa a se desenvolver na década de 1990, viria a partir de então a alcançar seu estágio mais evoluído. Houve o aprofundamento das pesquisas por parte de especialistas. Isso resultou no aumento progressivo de dissertações, teses, artigos, projetos de iniciação científica, Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), grupos de pesquisa, palestras, congressos, intercâmbio com pesquisadores internacionais, e o que teremos pela primeira vez: livros nacionais.
O número de matérias em jornais e em revistas de grande circulação se mantém similar ao da década anterior. Acontecimentos importantes envolvendo os manuscritos, como a publicação de fragmentos remanescentes, a disponibilização dos textos por meio digital ao público geral e exposições de textos e artefatos em diferentes locais do mundo, figuram entre as informações mais encontradas. Em meio a elas – mas não tão comum como nas décadas anteriores – encontram-se ainda as matérias “polêmicas”, normalmente relacionadas com o cristianismo.
Deve-se destacar o início da aproximação do Brasil com o cenário internacional dos estudos dos manuscritos. O crescente interesse do público brasileiro fez com que a Autoridade de Antiguidades de Israel inserisse o Brasil no roteiro da exposição Pergaminhos do Mar Morto – Um Legado para a Humanidade, que trouxe alguns textos e artefatos para o Rio de Janeiro e São Paulo entre agosto de 2004 e fevereiro de 2005 – a primeira vez que manuscritos originais foram expostos em um país da América Latina.{32} O público não superou as expectativas projetadas pelos organizadores (que tiveram como base o público alcançado com a exposição em outros países, alguns dos quais havia ultrapassado um milhão de expectadores), mas foi maior do que o de outras exposições de temas mais conhecidos.{33} O alcance do evento foi bastante positivo, pois pôde apresentar para um público amplo e menos especializado uma introdução mais coerente sobre a realidade dos manuscritos do mar Morto. Essa foi a primeira oportunidade em que foi possível reunir pesquisadores para falar sobre os manuscritos em mesas-redondas organizadas pela administração do evento nos dois estados.{34}
JANSEN, Roberta. Manuscritos do Mar Morto em exposição no Rio. O Globo, Rio de Janeiro, Domingo, 16 de maio de 2004. O Mundo/Ciência e Vida, p. 42.
FARAH, Paulo Daniel. Testamento mítico – Exposição exibe pergaminhos e artefatos arqueológicos em SP. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de nov. de 2004.
Jesus não foi o único “filho de Deus” – Trecho dos Manuscritos do Mar Morto cita outro “filho de Deus”, que até poderia ser o “Anticristo”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de mar. de 1992. Primeiro Caderno, p.16.
Essa aproximação com o exterior não esteve limitada à realização de uma exposição. Mais importante do que isso, incidindo sobre o campo da pesquisa, foram as orientações acadêmicas que colocaram estudantes brasileiros próximos de pesquisadores do exterior e em algumas das mais privilegiadas instituições de pesquisa do mundo em assuntos referentes aos manuscritos.{35} Em uma direção oposta e não menos profícua, pesquisadores especializados passaram a vir ao Brasil para ministrar palestras e cursos, além começarem a publicar artigos no país. Isso têm ocorrido com alguma frequência em período recente, envolvendo nomes como os de Adolfo Daniel Roitman (pesquisador e curador do Santuário do Livro, local onde se encontram os mais bem conservados manuscritos do mar Morto) que tem vindo constantemente ao Brasil ministrar palestras; com César Carbullanca Núñes (pesquisador chileno da Universidade Católica de Maule, Talca, com forte vínculo com pesquisadores do estado de São Paulo e membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica – ABIB) que tem publicado e ministrado palestras no país; e o erudito bíblico espanhol Florentino García Martínez (Universidade Católica de Leuven, Bélgica), que além de suas publicações de nível mundial, publicou gentilmente artigos em revistas do Brasil.{36}
Alguns dos pesquisadores que iniciaram sua produção durante a década de 1990 continuarão a publicar nos anos 2000, como Valmor da Silva e Pedro Paulo Alves dos Santos.{37} Junto a eles, outros nomes começariam a figurar no cenário nacional. Podemos destacar os de Edgar Leite Ferreira Neto (UERJ) e Paulo Augusto de Souza Nogueira (UMESP). O primeiro deles teve uma produção bastante significativa, com artigos, matérias em revistas, palestras, entrevistas e orientações acadêmicas. Cabe destacar seu livro As origens da Bíblia e os manuscritos do mar Morto, do ano de 2009, que recebeu uma segunda edição em 2013. Já Nogueira, deve ser lembrado principalmente por organizar um círculo de jovens pesquisadores, por meio de grupos de estudo e orientações acadêmicas na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Vários entre seus orientandos viriam a utilizar os manuscritos do mar Morto em suas pesquisas e publicações.
É durante década de 2000 que há o nascimento do que uso chamar de “qumranistas”: pesquisadores que se dedicam quase que exclusivamente ao estudo dos manuscritos do mar Morto e possuem praticamente toda sua produção acadêmica na área. Destaco o trabalho de Clarisse Ferreira da Silva, orientada por Nachman Falbel. Ela realizou seus estudos de mestrado e doutorado durante os anos 2000, e desde então tem publicado com frequência os resultados de seus estudos, sendo uma das pesquisadoras com maior número de publicações sobre assuntos relacionados com manuscritos do mar Morto no país. Seus trabalhos de nível de mestrado e doutorado se tornaram livros, com temáticas bastante inovadoras: O Comentário (Pesher) de Habacuc: a Comunidade de Qumran reinterpreta o passado (2010) e O Novo Templo e a Aliança Sacerdotal da Comunidade de Qumran (2013). Sua formação em História colaborou para que as temáticas mais exploradas até então pelos pesquisadores fossem deixadas de lado, passando a utilizar como objetos pontos bastante específicos, envolvendo História e Sociedade. Sua produção aumenta no início da década atual, contribuindo com artigos de temáticas inéditas no país, como Women among the Essenes or Women at Qumran? A Study on Gender in the Damascus Document, the Rule Scroll, and the Historical Sources related to the Essenes (Revista Mare Nostrum. Estudos sobre o Mediterrâneo Antigo, v. 5, p. 18-43, 2014), trazendo para o público brasileiro uma discussão existente em nível mundial sobre a participação e papel das mulheres entre o grupo detentor dos manuscritos de Qumran. Ela foi a primeira pesquisadora no Brasil a fazer um pós-doutoramento utilizando os manuscritos como fonte (2009-2012). Em minha opinião, com base na qualidade e quantidade de seus trabalhos, da Silva é a maior pesquisadora dos manuscritos do mar Morto do Brasil.
Outro pesquisador que deve ser considerado como iminente qumranista é Jonas Machado (FTBSP). Ele, que pertenceu ao círculo de Nogueira, teve seu envolvimento mais estreito com temas dos manuscritos do mar Morto em período mais recente, quando iniciou seus estudos de pós-doutorado (2010-2013). Machado tem sido responsável por uma produção relevante, revisitando alguns temas dos manuscritos e os apresentando por uma perspectiva bastante atualizada. O fruto dessa proposta pode ser visto em seu livro Os Manuscritos do Mar Morto: Uma introdução atualizada (2012), lançado como resultado de uma parceria com Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP). Seu livro é uma leitura obrigatória para todo iniciando. O livro cumpre, em minha opinião, com o objetivo proposto em sua introdução, que é o de passar uma leitura atualizada sobre os manuscritos.
Outros pesquisadores não possuem uma produção quantitativamente significativa, mas devem ser reconhecidos pela qualidade e por inserirem temáticas menos correntes na pesquisa dos manuscritos do mar Morto no Brasil. Deve ser destacado o nome de Edson de Faria Francisco (UMESP). Graças à sua formação acadêmica (Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas), ele tem realizado trabalhos bastante técnicos de comparação dos manuscritos bíblicos encontrados em Qumran com o texto bíblico hebraico de tradição massorética. Um exemplo pode ser visto em seu artigo A Ortografia de 1QIs a e de 1QIs b e a Ortografia do Códice de Leningrado B19a e do Códice de Alepo: Diferenças e Semelhanças (Miscelánea de Estudios Árabes y Hebraicos. Sección A, vol. 57, 2008, p. 125-148).{38}
Além dos pesquisadores citados acima, que colaboraram mais intensamente no desenvolvimento da produção bibliográfica brasileira sobre os manuscritos do mar Morto, tivemos vários outros, das mais diversas ciências, que transitaram pela área, produzindo um ou no máximo dois artigos e matérias em revistas, apresentando palestras ou comunicações e orientando trabalhos. Chama a atenção o fato de que metade ou mais dos poucos que produziram dissertações e teses não continuaram a produzir academicamente sobre os manuscritos. É impossível estipular uma causa geral sobre isso, mas pode-se afirmar que não necessariamente tenha a ver com desinteresse posterior, e sim com as dificuldades comuns que atingem todos os recém mestres ou doutores que chegam ao mercado de trabalho.{39}
Deve-se ressaltar ainda que, independentemente do aumento das publicações de cunho científico, veículos não especializados continuam até os dias de hoje a publicarem material informativo. Os jornais e revistas tiveram um papel importante na cobertura de acontecimentos ligados aos manuscritos, como a exposição realizada no Brasil, a vinda de pesquisadores do exterior para palestras, a conclusão das publicações dos manuscritos remanescentes e a liberação do acervo digitalizado para o público geral. A áurea de mistério dá lugar ao caráter neutro na informação. O conteúdo sensacionalista, por sua vez, migrou para as inúmeras páginas não especializadas da internet (principalmente aos blogs), que exploram em demasia as comparações (sobretudo com o cristianismo).
Ao longo dos 70 anos da produção bibliográfica brasileira, ainda que não se possa desprendê-la dos acontecimentos de nível internacional, percebemos características particulares em campos específicos. Um deles é o que relaciona a dinâmica da produção brasileira com os marcos historiográficos internacionais. É fácil perceber que a produção brasileira é muito pequena e marcada por grandes intervalos até o final da década de 1980. Se a Revista de Cultura Bíblica for excetuada, o marco internacional de 1967 apresentará pouco ou nenhum impacto na dinâmica da produção. A produção foi muito baixa tanto nos vinte anos anteriores quanto posteriores – o que faz com que não seja possível sentir nem diferenças na dinâmica da produção e nem no nível qualitativo das publicações. Somente a partir de 1990 que é possível confirmar a existência de um terreno menos estéril, que começaria a germinar a partir da década seguinte. Por isso, apenas o marco de 1990-1991 incidiu sobre a produção bibliográfica no Brasil.
A partir dos anos 2000, a produção brasileira atinge um novo patamar. Desse momento em diante há uma nova postura na produção bibliográfica, caracterizada pelo aprofundamento e a diversificação das pesquisas. O que promoveu essas condições foi a chegada de profissionais de diferentes áreas acadêmicas, o estreitamento da pesquisa com profissionais de outros países e a produção de teses. Com essa mudança na composição dos profissionais, há o nascimento de uma nova geração de pesquisadores. Os manuscritos, até então explorados basicamente por teólogos, começam a se tornar objeto de pesquisa de cientistas da religião, historiadores, arqueólogos e outros profissionais. Com eles, houve a introdução de novas temáticas, novos métodos e novas abordagens; além de promoverem uma significativa interdisciplinaridade nos estudos dos manuscritos.
Outra particularidade que se percebe na historiografia dos manuscritos diz respeito à conexão, por meio da produção, entre uma geração e outra. Diferentemente do que ocorreu no cenário internacional, no Brasil, o pouco que foi escrito não foi aproveitado pelas gerações seguintes.{40} Isso foi bastante negativo, pois impediu o diálogo entre as gerações de pesquisadores. Uma das consequências foi a repetição exagerada de algumas temáticas e o pouco aprofundamento delas – fato que será perceptível a partir da década de 1990. Cabe aqui a observação de que os pesquisadores dos anos 1950 e 1960 tiveram acesso a livros e revistas recém-publicados em seus idiomas originais, enquanto que muitos daqueles que escreveram a partir da década de 1990 se utilizaram de textos traduzidos, com estudos mais informativos e gerais (enfim, mais interessantes para as editoras).
A produção bibliográfica brasileira pode ser dividida em três tipos, de acordo com a abordagem dos assuntos. O primeiro é o que possui caráter introdutório, informativo. Corresponde aos trabalhos que esboçam visões gerais sobre os estudos dos manuscritos. Na maioria das vezes, falam sobre a importância das descobertas e/ou fazem comparações diversas com as fontes de outros grupos religiosos do período. No entanto, não apresentam um estudo aprofundado que utilize os manuscritos (o que não caracteriza o trabalho como sendo de baixa qualidade).{41} Esse tipo de material é o mais encontrado na produção bibliográfica brasileira, inaugurado com os autores da década de 1950 e presente até os dias atuais. Esse tipo de produção dividirá o espaço com outros dois a partir da década de 1990: o material não científico (ou pseudocientífico e sensacionalista) e o material científico propriamente dito. Essas três tendências são encontradas nos dias atuais.
Qual a melhor maneira de equacionar essa variedade de abordagens e a quantidade de material produzido ao longo desses 70 anos? Não há condições de fazer um levantamento da produção bibliográfica brasileira sobre os manuscritos do mar Morto levando em consideração apenas a produção de livros e artigos científicos ao longo desses 70 anos. Devido à baixa produtividade até a década de 1980, não é apropriado desprezar qualquer atividade relacionada com os manuscritos. Todo o tipo de divulgação durante esse longo período, como matérias em jornais e revistas de grande circulação, traduções, palestras entre outras publicações, pode servir como termômetro para medir tanto o progresso da produção quanto da pesquisa no Brasil. Apenas a partir dos anos 2000, quando é possível perceber uma nova postura na produção bibliográfica brasileira, é possível desconsiderar a produção de caráter mais informativo e de divulgação em favor da produção puramente científica – creio que isso tenha sido feito aqui.{42}
Acerca dos pesquisadores envolvidos na produção bibliográfica brasileira, é importante destacar a contribuição de teólogos. Eles representaram os primeiros e principais interessados na pesquisa acadêmica dos manuscritos e foram os responsáveis pela grande maioria das publicações até os dias de hoje no Brasil. O interesse deles tem a ver, de um lado, com a transmissão dos textos bíblicos, de outro, com às raízes, nascimento e estruturação dos grupos cristãos no século I d.C., principalmente pelos manuscritos ajudarem a compor, com maior clareza, o cenário social da sociedade judaica do período intertestamentário. O gráfico abaixo apresenta a divisão dos pesquisadores que se dedicaram à pesquisa dos manuscritos no Brasil.
Áreas dos pesquisadores que estudam manuscritos.
A geografia da produção bibliográfica dos manuscritos parece destoar pouco do mapa da produção científica no Brasil. A maior parte das pesquisas provêm de instituições da região Sudeste do país, seguido por Sul, depois Centro-Oeste e por fim o Nordeste. Não houve pesquisadores responsáveis por alguma produção na região Norte do país.
Na região Sudeste, recebe destaque o papel desempenhado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), com um grande número de pesquisadores que já publicaram sobre os manuscritos (a grande maioria deles ligado ao círculo de Nogueira). Depois dela, o destaque fica por conta da Pontifícia Universidade Católica (PUC), presente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás. Com a análise dos dois gráficos, pode-se perceber a forte ligação entre a formação acadêmica dos pesquisadores e as instituições de pesquisa, já que elas são instituições vanguardistas em pesquisas nas áreas de Teologia e Ciências da Religião.
Distribuição regional dos pesquisadores dos manuscritos.
A seleção das publicações destacadas, como em todo trabalho de historiografia, é um ato arbitrário. É possível que se tenha despercebido alguma delas ou não compreendido o valor que ela possui. A mesma arbitrariedade pode se fazer com os temas considerados nas publicações. Alguns poderiam ser tratados com mais apreço, enquanto outros sequer tenham sido abordados. Diante da dificuldade em realizar um trabalho dessa natureza, espera-se que o bom senso o tenha direcionado para alguma qualidade – caberá ao leitor tal julgamento.
O que prever para daqui em diante para a produção bibliográfica dos manuscritos do mar Morto? Salmos 90:10 diz que setenta anos é o tempo da nossa vida, mas que oitenta é fadiga e mesquinhez. Se analisarmos os índices atuais das publicações, pode-se fazer do salmo bíblico uma analogia com o estado atual da produção bibliográfica sobre os manuscritos. Os dados atuais mostram que nestes últimos anos têm havido uma redução do número de publicações em nível mundial.{43} Diante desse quadro, pode-se questionar: é possível que, no caminho aos 80 anos da descoberta, a produção bibliográfica entre em um estado de fadiga e mesquinhez? É difícil fazer previsões dessa natureza, pois há muitos fatores envolvidos. Contudo, não acho absurdo pensar que os estudos estejam alcançando um “limite natural” em nível mundial, já que a celeuma causada pelas publicações dos documentos está a cada ano mais distante e as gerações de pesquisadores envolvidas com isso está passando. Essa perspectiva, porém, vale para o quantitativo e não para o qualitativo. Seria um erro pensar que todas as temáticas tenham sido esgotadas e que os métodos e abordagens não possam se renovar. As bases de dados sobre as fontes do período intertestamentário apontam os manuscritos do mar Morto como o maior corpus documental daquele período na Judeia. Certamente, há ainda muito o que extrair de tudo isso.
No Brasil, diferentemente dos países tradicionais na pesquisa dos manuscritos, há um quadro, com bastante espaço, ainda a ser preenchido. A chegada dos qumranistas e de outros pesquisadores tem sido importante, pois além de promoverem o aprofundamento dos estudos, se colocam também como uma ligação direta com as gerações vindouras. Para além dessas mudanças já ocorridas, há metas que podem ser propostas para o futuro. Uma delas é a ampliação da participação dos pesquisadores brasileiros no cenário internacional, por meio de publicações conjuntas e participações em eventos. Outra, é o estreitamento dos laços entre os pesquisadores brasileiros. Esperemos que essas propostas possam se concretizar daqui em diante. O futuro dirá.
1 Com algumas exceções extraordinárias para antes e depois desse período.
2 SUKENIK, Eleazar L. Megilloth Genuzoth (hebraico). Jerusalém: Bialik, 1948.
3 BURROWS, Millar; BROWNLEE, William H.; TREVER, John C.; The Dead Sea Scrolls of St. Mark’s Monastery (2 vv.). New Haven: ASOR, 1950-1951. BROWNLEE, William H. The Dead Sea Manual of Discipline: Translation and Notes. New Haven: ASOR, 1951.
4 YADIN, Yigael, The Scroll of the War of the Sons of Light (hebraico, com sumário em inglês) Jerusalém: Bialik, 1955.
YADIN, Yigael; AVIGAD, Nahman. A Genesis Apocryphon. Jerusalém: Magnes, 1956.
5 Podem ser citados os nomes de: André Dupont-Sommer, com seu Aperçus préliminaries sur les manuscripts de la mer Morte (Paris: Maisonneuve, 1950) e The Jewish Sect of Qumran and the Essenes (Nova Iorque: Macmillan, 1956); de Frank Moore Cross, com The Ancient Library of Qumran and Modern Biblical Studies (Nova Iorque: Doubleday, 1956), e de Edmund Wilson, com The Scrolls of the Dead Sea (Nova Iorque: Oxford University Press, 1955).
6 As últimas descobertas de material textual foram feitas graças à um projeto de escavação da fortaleza de Massada, liderado por Yadin, entre 1963 e 1965.
7 Não é de meu interesse considerar os problemas relacionados com a produção da equipe oficial e os acontecimentos ligados a ela. Para informações mais detalhadas, cf. MACHADO, Jonas; FUNARI, Pedro P. A. Conteúdo e publicações. In.: Os Manuscritos do Mar Morto: Uma Introdução Atualizada. São Paulo: Annablume, 2012.
8 Por exemplo, na década de 1990 foram publicados muitos fragmentos de textos normativos da caverna 4 de Qumran, como os textos 4QSb-j e 4QDa-h. Esses textos confirmaram a existência de um conjunto de leis mais amplo do que os presentes nos grandes manuscritos publicados na década de 1950. Essa descoberta alterou profundamente a concepção normativa e histórica que se tinha do grupo que redigiu e viveu sob a autoridade daqueles textos.
9 O erudito bíblico americano Frank Moore Cross, por exemplo, permitia que seus alunos tivessem acesso privilegiado a textos ainda não publicados em edições oficiais. Situações como essa ocorreram basicamente em Israel, nos Estados Unidos e em alguns países europeus.
10 Apresentação dos Hinos Rituais de Qumrân. RCB, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 108-113, 1957.
11 Menções femininas nos textos de Qumrân. RCB, São Paulo, v. 2, n. 9, p. 268-276, 1958. A escatologia de Qumrân (I). RCB, São Paulo, v. 4, n. 15, p. 78-88, 1960. A escatologia de Qumrân (II). RCB, São Paulo, v. 4, n. 16, p. 148-59, 1960.
12 Qumrân e a política partidária judaica. RCB, São Paulo, v. 3. n. 12, 170-8, 1959. Qumrân, a seita dos essênios. RCB, São Paulo, v. 3, n. 13, 1959. p. 224-235. Qumrân e o novo testamento. RCB, São Paulo, v. 4, n. 14, p. 4-13, 1960. O ideal messiânico entre os qumranitas. RCB, São Paulo, v. 6, n. 21, p. 31-42, 1962.
13 Novo rumo na investigação qumrânica. RCB, São Paulo, v. 5, n. 20, 1961. p. 417.
14 Em 1967, Salvador se tornaria doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), com tese tratando sobre os cristãos-novos – tema que marcaria seu reconhecimento na academia brasileira daquele momento em diante.
15 Laga responsabiliza os meios universitários brasileiros e principalmente os teólogos por não colaborarem para a acessibilidade aos assuntos relacionados aos manuscritos. Cita o trabalho de Salvador como uma exceção no Brasil e uma colaboração pequena da produção bibliográfica portuguesa que ajudou a suprir essa carência (Qumran, problema histórico. Estudos Históricos, v. 1, n. 2, p. 88-92, 1963).
16 Em um dos textos da Revista de Cultura Bíblica, o autor se refere a Dupont-Sommer como “apóstata”, por desconstruir a figura de Jesus de Nazaré com base no Mestre da Justiça qumranita (PENNOCK, A. L. G. Qumrân e o Cristianismo. RCB, v. 2, n. 6, 1958. p. 5).
17 Entre Salvador e Laga, mais um teólogo brasileiro demonstraria interesse pelos manuscritos do mar Morto durante esse período. João Augusto Anchieta Amazonas Mac Dowell, no ano de 1961, redigiria um trabalho de cerca de 60 páginas intitulado João Batista e a Seita de Qumran, em alemão, resultante de um seminário realizado naquele ano na Faculdade de Teologia Sankt Georgen, Frankfurt, Alemanha. O trabalho possui uma discussão razoavelmente aprofundada, pois além dos livros que apresentavam uma visão mais geral, Mac Dowell teve acesso a periódicos importantes com discussões mais específicas, como a Revue de Qumran, a Revue Biblique e a The Biblical Archaeologist. Dois anos depois, em 1963, ele terminaria seu mestrado intitulado Os escritos de Qumran e as origens do Cristianismo (que não obtive acesso). Seus trabalhos não foram publicados nem na Alemanha e nem no Brasil. Depois disso, Mac Dowell não voltaria a publicar novamente sobre os manuscritos. Sou imensamente grato pelos esclarecimentos que o mesmo prestou à minha pessoa.
18 Cf. CINTRA, Raimundo Almeida. Os misteriosos habitantes do Deserto de Judá. Revista de História, USP, n. 111, 1997.
19 Cf. MACHADO, Edgar da Mata. Mar (Morto) em Minas. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21 de maio, 1977. n. 43.
20 Cf. Labirintos da Fé. Veja, São Paulo, p. 67-70, set. 1989.
21 A tese foi de Nancy Pitrowisky Antunes Tsupal, com o título Educação Qumranico-Essênia e Cristã Primitiva - A Mensagem, os Valores, o Discipulado; Subsídios para a História e Filosofia da Educação, defendida na USP em 1988. Na verdade, seu orientador acadêmico foi Nicolas Boer, falecido em 1987. A partir de então, ela seria diretamente orientada por Falbel. Sua tese é de muito boa qualidade. A autora utiliza muitos textos da primeira geração de pesquisadores. Faz também uma tradução do livro Regra da Comunidade (1QS). Contudo, a pesquisadora não continuou com estudos na área.
22 Anteriores aos livros de Bonhomme, citados acima, temos: LAPERROUSAZ, Ernest-Marie. Os manuscritos do Mar Morto. Trad. Maria Stela Gonçalves e Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Cultrix, 1961 (obra reimpressa pela editora Círculo do Livro em 1992); SCHELKLE, Karl Hermann. A comunidade de Qumran e a igreja do novo testamento. Trad. Monjas Beneditinas da Abadia de Santa Maria, de São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1972; STUMPF, Hans Einsle. A aventura dos mistérios bíblicos da arca de Noé aos rolos manuscritos de Qumran. Trad. Trude von Laschan Solstein. São Paulo: Melhoramentos, 1972.
23 Houve uma edição portuguesa do texto de Millar Borrows, The Dead Sea Scrolls (Nova Iorque: Viking Press, 1955) que circulou no Brasil, traduzida como Os Documentos do Mar Morto (trad. Ironildo Aguilar. Porto: Ed. Porto [1957?]). Outra edição portuguesa, de John Marco Allegro (membro da equipe oficial de tradutores), chamada The Dead Sea Scrolls (Pelican Books: Hammondsworth, 1958), foi traduzida como Os manuscritos do mar Morto (trad. Eurico da Costa. Lisboa: Europa América, 1958). Entre os pesquisadores brasileiros das primeiras décadas, apenas Carl Laga teve conhecimento desta. Seria Laga que, poucos anos depois, traduziria no Brasil uma pequena porção de textos escolhidos, encontrados em Textos históricos: Antiguidade e Idade Média, de 1965. Ele selecionou algumas porções dos textos de Qumran conhecidos como Regra da Comunidade (1QS), Regra da Guerra (1QM), Hinos de Ação de Graças (1QH) – publicados por Jean Carmignac e Pierre Guilbert em Les Textes de Qumran: traduits et annotes. La Regle de la Communaute, La Regle de la Guerre, Le Hymnes (Paris: Letouzey & Ané, 1961) – Pesher de Naun (1QpNaun) e Pesher de Habacuc (1QpHab) – da tradução de Geza Vermes, The Essene Writings from Qumran (Oxford, Blakwell, 1961), publicada originalmente em francês por André Dupont-Sommer (Les Écrits esséniens découverts près de la Mer Morte. Paris: Payot, 1959). Os recortes são pequenos e não permitem um estudo aprofundado.
24 A primeira edição em espanhol é de 1992. A edição brasileira possui um número significativamente maior de textos que foram inclusos com outras publicações de manuscritos feitas entre 1992 e 1994.
25 VERMES, Geza. Os manuscritos do mar Morto. Trad. Júlia Bárány e Maria Helena de Oliveira Tricca. São Paulo: Mercuryo, 1987. O texto de Vermes viria a ser revisto e ampliado diversas vezes na década de 1990. Ainda assim, até aquele momento, não alcançaria a mesma quantidade de textos que a edição de Martínez. Em minha opinião, a edição do texto de Vermes foi bastante comprometida.
26 As traduções dos manuscritos para o português foram importantes a partir delas, os textos mais importantes passaram a estar disponíveis em um exemplar pequeno que podia ser usado para estudos. Mais do que o acesso apenas a recortes de textos esparsos (como ocorrera até então), agora era possível estudar os textos inteiros em português, contando inclusive com textos inéditos nas edições da década de 1990.
27 Como as realizadas por Jane Bichmacher de Glasman (UERJ), para a historiadora francesa Mireille Hadas-Lebel (que possui livros publicados no Brasil sobre temáticas próximas aos manuscritos do mar Morto), no ano de 1996.
28 Até os dias de hoje esse tipo de material tem sido traduzido no Brasil e alcançado algum espaço. Pode-se cita o livro de Robert Feather, O Mistério do Pergaminho de Cobre de Qumran: O Registro dos Essênios do Tesouro de Akhenaton (1. ed. 2006), que afirma que o Pergaminho de Cobre (3Q15), da caverna 3 de Qumran, provaria a ligação entre a reforma religiosa do faraó Akhenaton com o monoteísmo hebreu.
29 Carl Laga acusava a existência de um sensacionalismo nos estudos dos manuscritos desde a publicação dos primeiros documentos, mesmo no meio acadêmico internacional (cf. 1963, p. 98). No Brasil, isso só se tornaria visível a partir da década de 1990.
30 Um levantamento dos dados nesses três jornais mostra o total de 38 matérias, curtas e longas, sobre assuntos relacionados com os manuscritos do mar Morto para a década de 1990. Entre as décadas de 1950 e 1980 (as primeiras matérias surgem apenas em meados da década de 1950), o total é de 28. Chama a atenção, também, o fato de que nas décadas de 1970 e 1980 o número de matérias publicadas foi menor que a metade publicada nas décadas de 1950 e 1960 (foram 19 matérias para as décadas de 1950 e 1960 e apenas 9 para as de 1970 e 1980).
31 O impacto causado no espaço não acadêmico e nos iniciantes na pesquisa dos manuscritos foi muito negativo. Durante todos os anos em que trabalho com os manuscritos do mar Morto, já ouvi muitas “opiniões” do público comum que não possuiu contato com qualquer literatura científica sobre o assunto. Uma delas, foi a de que o grupo detentor dos manuscritos foi a primeira comunidade gay da história, baseada, provavelmente, no suposto ascetismo da comunidade de Qumran.
32 Foram disponibilizados três pequenos textos originais e sete réplicas (os textos originais apresentados no Rio de Janeiro foram diferentes dos de São Paulo, pois textos originais não podem ficar mais que três meses fora de Israel), além de cerca de 80 artefatos. Na ocasião, foi publicado um catálogo intitulado Pergaminhos do Mar Morto – Um Legado para a Humanidade, organizado por Luiz Calina e Andréa Calina (São Paulo, 2004).
33 Segundo registros da própria organização do evento, no Rio de Janeiro o número foi de 150 mil pessoas. Em São Paulo, os números não foram contabilizados.
34 Os palestrantes, contudo, não eram especializados em estudos dos manuscritos.
35 Isso ocorreu com Clarisse Ferreira da Silva, que esteve vinculada à Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, durante a realização de seu doutorado; com Jonas Machado, em estágio de pós-doutorado em Oxford, Inglaterra; e comigo, durante minha pesquisa de doutorado, onde que estive ligado ao Santuário do Livro, sob a orientação de Adolfo Daniel Roitman.
36 O primeiro registro de conferência sobre os manuscritos no Brasil é de 1962; uma conferência no Rio de Janeiro realizada por Melvin Rughes, britânico sem formação na área, mas interessado em assuntos bíblicos e que conheceu De Vaux em Jerusalém (cf. Manuscritos do Mar Morto serão tema de conferência. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 23 de ago. de 1962. Matutina, Geral, p. 12).
37 Neste período, a produção de Pedro Paulo foi mais intensa, com textos em revistas, artigos, conferências e orientação de iniciação científica.
38 Ainda para este ano, são aguardados mais dois trabalhos do mesmo autor: a tradução do livro de Emanuel Tov, Crítica Textual da Bíblia Hebraica (Niterói: BV Books), que é a tradução da Textual Criticism of the Hebrew Bible (3. ed. Minneapolis: Fortress Press, 2012), que traz capítulos que analisam trechos dos manuscritos do mar Morto em comparação com o Texto Massorético, com a Septuaginta e com o Pentateuco Samaritano; e a produção do Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português, vol. 3: Profetas Posteriores (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, futura publicação). Nesta última obra, há um capítulo denominado “Dificuldades Textuais” em que o autor menciona e comenta muitas variantes textuais não ortográficas dos manuscritos bíblicos das 11 cavernas de Qumran. Os dois trabalhos serão uma importante contribuição para a pesquisa do texto dos manuscritos do mar Morto no Brasil.
39 Podemos citar os casos de Sandrélly da Mata Mendonça dos Santos, com a tese O Cristo-Luz no Quarto Evangelho e o Tema da “Luz” em Qumran. Perspectiva Literária do Quarto Evangelho a Partir de sua Relação com a Regra da Comunidade (PUC-RJ, 2009) e de Ademir Rubini, com a tese A justiça de Deus em perspectiva: (des)construções na teologia paulina, na comunidade de Qumran e na tradição judaica(EST, 2015). Cada um desses pesquisadores teve uma trajetória diferente após o término de seus trabalhos acadêmicos. Depois de terminado, nenhum deles continuou publicando sobre os manuscritos.
40 O que não acontece na tese de Antunes Tsupal, que, produzida antes da abertura da década de 1990, recorreu também aos poucos trabalhos publicados no Brasil (alguns dos quais foram citados acima).
41 Toda pesquisa sobre os manuscritos do mar Morto necessita de uma introdução dessa natureza, uma vez que o autor precisará construir (ou desconstruir) uma base para alcançar suas conclusões. Por exemplo, trabalhos acadêmicos que tratam do conjunto normativo dos manuscritos de Qumran necessitam tratar de temas introdutórios, como o da identidade dos redatores.
42 Alguns dos “filtros” aplicados aqui incidem sobre o impacto alcançado pelo trabalho (destaque somente os de grande qualidade) e sobre a produção realizada apenas por aqueles que viriam a se tornar doutores.
43 A base de dados que mais pode ajudar nessa conclusão é a provida pelo Orion Center, criado pelo Instituto de Estudos Judaicos da Universidade Hebraica de Jerusalém para estudos relacionados com os manuscritos do mar Morto (orion.mscc.huji.ac.il/, acessado em: 07/06/2017).
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